Um amigo "irmãozinho", como lhe chamamos carinhosamente, pediu-nos que escrevêssemos este artigo sabendo da nossa postura divergente da dele, e da maioria dos leitores deste jornal, relativamente à sua Igreja. Muito bizarro o pedido, sabendo que não é todos os dias que a Igreja está disposta e interessada em ouvir uma opinião "nada católica" e muito divergente das suas linhas orientadoras. Pensando tratar-se de um sinal de mudança interna, aceitamos de imediato e com grande satisfação.
Nesta perspectiva, começamos a pensar… será que é legítimo falar publicamente de uma "organização" à qual não pertencemos e com a qual não nos identificamos? Diferenciando desde logo o que é da instituição Igreja e o que é da natureza da fé dos seus membros, pretendemos centrar a discussão na primeira, ou seja: na Igreja enquanto instituição e nas suas implicações em todos os aspectos sociais, políticos e económicos. Não nos querendo alargar na conversa, decidimos pegar num tema muito actual e oportuno, que certamente andará na cabeça de cada um de nós: o tema da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG). Se pensam que vamos aproveitar este artigo para apregoar a nossa opinião sobre o assunto, enganam-se. Vamos falar da relação entre a Igreja e os seus membros e, de uma forma mais alargada, da sua relação com a sociedade, tendo em mente este tema tão actual.
É indiscutível que todos nós damos o devido valor social e educativo ao papel que a Igreja tem tido ao longo da História. As suas actividades, que estão tão presentes em todos nós, foram e têm sido de extrema importância num contexto de analfabetismo, desconhecimento e de escuridão cultural que caracterizavam a nossa sociedade nos tempos passados. Apesar do tempo dos Iluministas e da Revolução Francesa ter ocorrido há alguns séculos, o conhecimento foi sendo mantido em círculos de pessoas do Clero e, mais tarde, expandido a círculos académicos, nobres,
burgueses…, longe da grande maioria da população. Neste contexto, a única maneira da população viver de uma forma evoluída, digna e respeitada era, segundo sabemos, à custa das ideias que lhe iam chegando sob a forma de sermão e de homilia, num envolvimento divino e inquestionável que, pelo menos todos os Domingos, a Igreja lhe fazia chegar. Sem dúvida preciosa, esta atitude e vontade da Igreja de tentar educar a população, com o único objectivo de levar as pessoas a terem uma vida melhor.
Como é óbvio, as ideias passadas desta maneira seriam as próprias ideias da Igreja, dogmatizadas no interior da "organização", em Roma. Não é discutível se elas seriam correctas ou erradas, eram e são a opinião de um grupo de pessoas que dedicou e dedica a sua vida a pensar nestas tão importantes questões para todos nós.
Mas de então para cá mudou muita coisa. Será que esta sociedade e ensino público, de escolaridade obrigatória, de jornais, de bibliotecas públicas, de Internet, no fundo de liberdades intelectuais, precisa da mesma estrutura e forma de obtenção de conhecimento… por homilias dominicais?
Peguemos no tema aborto. A Igreja, como seria de esperar, tem a sua opinião formada, fruto de grandes reflexões por parte de pessoas ligadas à instituição, que culminaram numa ideia única e coerente à luz de todos quantos participaram nas discussões internas. Como no passado, estas ideias estão a ser transmitidas da forma mais antiga que a Igreja conhece de "educar" a população: Pelas homilias dominicais. Mas por serem comunicadas dessa forma, às vezes são recebidas quase como ordens e não como uma posição no meio de outras… É que há um factor novo, que antigamente não existia: depois de tanta educação pública, jornais, Internet, etc, as pessoas podem hoje escolher pensar por elas mesmas, elevando-se ao nível dos padres em Roma, que tiveram a liberdade de formar uma opinião válida sobre este tema. Uma opinião e nada mais do que isso. Nada de divindades, de dogmas e de coisas inquestionáveis. Uma opinião livre e respeitada. Há ainda outra questão, que não tem que ver com a Igreja enquanto instituição, mas com cada um de nós, e que é fundamental a este tema. Será que a liberdade de que as pessoas dispõem hoje em dia para formar uma opinião individual é mesmo usada? Ou o comodismo de se deixar levar pela opinião dos outros, como por exemplo a da Igreja, é mais forte que o esforço intelectual em meditar e discutir com outras pessoas um assunto que tem tantas implicações para todos nós, como este?
É que não basta termos tido educação pública, não basta termos os jornais e termos as bibliotecas se não valorizarmos esse conhecimento e o transformarmos na nossa individualidade e no nosso valor.
Nós estamos em constante reflexão e discussão connosco próprios, e com os outros, para formarmos a nossa opinião, a mais valiosa de todas, porque é a nossa e somos livres de a moldar à nossa circunstância.
E nós já decidimos…
Andreia Leira e André Santos
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário